Estamos entrando na era pós-sistema operacional

Algo interessante aconteceu na feira de tecnologia CES 2018, realizada entre 8 e 12 de janeiro em Las Vegas. Não estou falando das keynotes, das sempre presentes novidades do mercado de TVs ou de anúncios estranhos como os robôs-strippers.

Estou falando sobre o assunto presente de forma um tanto oculta em muitos dos principais anúncios feitos no evento e que esteve literalmente em quase todos os lugares. Pense nisso como um grito de guerra: o assistente virtual chegou e todo o resto agora é secundário.

Não é nenhum exagero. Para o Google, a batalha que se aproxima é toda sobre Inteligência Artificial (IA) e os aparelhos usados para entregá-la. A empresa deixou claro que conseguir o maior número possível de usuários e parceiros para o Google Assistente é o seu principal foco daqui para frente – e, como parte disso, o antes essencial sistema operacional está se tornando uma figura bem menos central.

Ao contrário de rivais como Apple e Microsoft, o Google sempre foi uma companhia de plataformas cruzadas – e que, no final das contas, quer que você use os seus serviços de qualquer maneira, mesmo que não utilize o sistema operacional da empresa junto com eles. Mas, mesmo assim, o nível de atenção e recursos que estamos começando a ver direcionados ao Assistente marca uma mudança fundamental. É verdadeiramente o início de uma mentalidade “pós-sistema operacional”, onde a pergunta sobre qual sistema você usa dá lugar ao questionamento sobre qual assistente virtual você permitirá entrar na sua vida.

Para ser claro, essa é uma tendência que vem tomando forma já há algum tempo – e tudo isso se conecta naturalmente à noção do recém-descoberto foco do Google em si mesmo, em vez do Android ou do Chrome OS, como um ecossistema principal. Lembre do evento de hardware da gigante em outubro de 2017. Claro, vimos um novo smartphone, um novo laptop, alguns novos alto-falantes inteligentes, e um novo par de fones de ouvido. Mas o tema comum e o foco principal entre todos esses produtos era a integração deles com o Google Assistente e como eles mostravam de forma simples e direta os avanços em da companhia no campo de Inteligência Artificial.

Na CES 2018, o foco maior no Assistente deu um impulso para essa mesma campanha. Foi uma mensagem tanto aos fabricantes quanto aos consumidores: é para lá que estamos indo. Suba ou fique para trás.

E não é nada de outro mundo: isso porque todo o negócio do Google gira em torno da noção de anúncios on-line. Tudo que a empresa faz – incluindo, sim, as vendas de smartphones Android – no final das contas serve reforçar esse negócio. Mas, à medida que as pessoas passam menos tempo na web aberta e mais tempo usando apps e aparelhos conectados, o futuro do mercado de anúncios on-line passa a ser ameaçado por uma potencial irrelevância.

O Google Assistente, por outro lado, é feito para estar em todos os lugares. Está no seu smartphone, sim, mas também está a caminho da sua TV, dos seus fones de ouvido, e de todos os lugares da sua casa por meio de uma variedade de alto-falantes e telas. O Assistente e seus rivais também estão rapidamente chegando aos negócios e às empresas. Em breve, o Assistente também estará no seu carro, graças a uma integração com o Android Auto revelada há algumas semanas pelo Google, durante a CES.

O futuro batendo a nossa porta

Por tudo isso, não é demais pensar no Assistente como a próxima geração da clássica caixa de buscas do Google – uma versão que não está “presa” na sua tela, mas te segue onde você estiver e funciona com ou sem um acompanhamento visual.

Essa distinção importa. Segundo uma nova pesquisa da consultoria Accenture, dois terços dos donos de alto-falantes inteligentes acabam usando menos os seus smartphones depois de comprar produtos como o Amazon Echo ou o Google Home – seja para entretenimento, fazer compras on-line ou buscar informações de forma geral. Quando você considera a afirmação da própria Google de que o uso global do Google Home no final de 2017 foi nove vezes maior do que no mesmo período do ano anterior, fica fácil ver por que a empresa está fazendo tudo o que pode para fazer valer os seus direitos neste novo campo em expansão.

Talvez seja por isso que tanto o Google quanto a Amazon praticamente “deram” os seus alto-falantes inteligentes nas festas de final de ano em 2017. Com preços bem mais baixos em dezembro, os analistas estimam que as empresas ficaram no zero a zero ou até mesmo perderam dinheiro com as vendas do Google Home e do Echo, respectivamente.

Mas a tática parece ter funcionado: o Google diz que vendeu, em média, “mais de um aparelho Google Home por segundo” desde o lançamento do Home Mini, enquanto que a Amazon afirma que o Echo Dot foi o produto mais vendido na sua loja on-line no final do ano, com “milhões” de unidades sendo despachadas para os consumidores.

Claramente, o objetivo das duas empresas vai além de conseguir apenas um lucro imediato com os gadgets: elas querem que as pessoas se envolvam com o ecossistema do assistente virtual e assim passem a usá-lo como a sua fonte principal de informações. A Amazon pode ter tido a vantagem de ser a primeira nessa corrida – mas o Google conta com algumas armas poderosas que ninguém consegue igualar, nem mesmo a Amazon.

Pense nisso: o Google possui um pacote de serviço amplamente utilizados – Gmail, Photos, Calendar e por aí vai – que se integram de forma simples e direta com o Assistente de maneiras significativas. A gigante também possui uma vasta e incomparável base de dados, tanto geral quanto personalizada (graças a todos esses serviços mencionados acima), e todas essas informações estão disponíveis para o Assistente e podem ser fornecidas instantaneamente sob demanda. Além disso, a companhia também conta com um verdadeiro exército de aparelhos Android e Chromebooks espalhados pelo mundo, sendo que muitos celulares com o sistema da empresa já contam com o Assistente, o que também deve acontecer em breve com os laptops que rodam Chrome OS. Em termos de alcance, ecossistema e valor resultante fornecido, é difícil ver a Amazon conseguindo acompanhar o Google com o passar do tempo.

Agora, em uma situação ideal, o Google gostaria que você usasse os sistemas da própria empresa além do Assistente? É claro que sim. Se você estiver no Android ou no Chrome OS, afinal de contas – e especialmente se você usar os produtos da empresa nessas plataformas – a gigante pode ter um maior controle sobre como os serviços são integrados com o seu aparelho e qual tipo de experiência que você tem.

Mas, como apontam os anúncio do Google na CES 2018, o objetivo da empresa ficou muito maior do que qualquer sistema operacional ou produto específico. A meta principal da companhia garante sua sobrevivência como a ferramenta de busca padrão do mundo – mesmo em um mundo em que os usuários não realizem buscas de maneira tradicional.

O foco todo do Google está no Assistente. E o uma vez essencial sistema operacional agora é apenas um dos muitos satélites rodando em volta dele.

Fonte: IDG Now!